“Center Norte garante portas abertas, mas perde frequentadores
Respaldado por uma liminar obtida anteontem na Justiça, o shopping Center Norte conseguiu abrir suas portas ontem pela manhã, mas estava praticamente vazio (…)
Não há números oficiais sobre a queda de rendimento. Vendedores e donos de lojas estimam uma queda de até 90% em suas atividades.
O Center Norte, inaugurado em 1984, esta construído sobre um lixão. O gás metano gerado pela decomposição do material ali depositado há décadas pode migrar para área interna do shopping e, eventualmente, causar explosões, diz a Cetesb.
O shopping, um dos maiores da cidade, costuma atrair cerca de 120 mil pessoas ao dia nos finais de semana.
A Prefeitura de São Paulo, responsável pelo auto de infração que fecharia o Center Norte ontem, não recorreu até agora da decisão judicial.
O juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda da Capital, entendeu que não havia um risco eminente de acidente e, por isso, proibiu a interdição do shopping (…)
Além de ter dado o ultimato ao Center Norte, a prefeitura também multou o shopping em R$ 2 milhões.
Além disso, o centro comercial continua sendo multado em R$ 17.450 por dia pela Cetesb. Agora, começou uma corrida contra o tempo.
Pelo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado na quarta-feira com o Ministério Público, o empreendimento tem 20 dias para instalar nove drenos de exaustão do gás em seu terreno.
A dúvida dos técnicos da Cetesb, entretanto, é se a operação dos nove sistemas de exaustão para tirar metano do subsolo do prédio do shopping vai realmente resolver por completo a questão da concentração do metano.”
O direito funciona baseado em alguns princípios. Esses princípios são, na verdade, mais importante do que as leis. Isso porque as leis são resultados dos princípios. Por exemplo, o princípio da presunção de inocência do acusado acabou levando à criação das leis processuais penais que estabelecem a obrigação de quem acusa provar a culpa de quem é acusado, e não de quem é acusado provar sua inocência.
Mas os princípios também mudam com o tempo e alguns novos princípios acabam surgindo com a evolução da sociedade. Entre essas inovações está o princípio da precaução, que começou a aparecer com força em vários países na segunda metade do século passado. Talvez a melhor definição seja a dada pela União Europeia: “o princípio pode ser evocado quando os efeitos potencialmente perigosos de um evento, de um produto ou de um procedimento foram identificados através duma avaliação científica e objectiva, mas esta avaliação não permite determinar o risco com certeza suficiente”.
Esse princípio - que já é usado em várias áreas do direito, como bioética, saúde e meio ambiente – serve para ajudar as pessoas e a Justiça a lidarem com casos em que ainda não sabemos quais podem ser as consequências de uma decisão. Por exemplo, se não sabemos quais podem ser as potenciais consequências de usar um novo produto radioativo para matar bactérias na lavoura, baseamos nossa decisão na resposta à duas perguntas: o que diz as provas científicas já existentes? E, segundo essas provas científicas, quais são as potenciais consequências se decidirmos agir dessa ou daquela forma?
Reparem que as provas científicas não são conclusivas, ou seja, certas. Se fossem, não precisaríamos desse princípio: nós já teríamos certeza sobre a melhor forma de agir.
Pois bem, a matéria acima é um bom exemplo de onde esse tipo de princípio pode ser empregado.
Ninguém tem certeza se o shopping irá explodir mas, segundo o governo, os dados científicos coletados pela Cetesb dizem que há vários bolsões de gás que podem eventualmente explodir. Se presumirmos que esses dados estão corretos, ficamos com dois direitos conflitantes: se o shopping fechar, os lojistas perderão dinheiro, os funcionários perderão seus empregos e a população perderá a facilidade de comprar naquele local. Se o shopping continuar aberto e não explodir, todos ganham. Mas se ele continuar aberto e explodir, os lojistas perdem suas lojas, o funcionários e clientes perdem suas vidas. Como decidir? Um pouco de matemática ajuda nessas horas:
Em outras palavras, quando não fechamos o shopping temos uma das duas situações extremas: a muito boa (sem tragédia) ou a muito ruim (com tragédia). Já se fechamos o shopping, temos uma situação intermediária, em que se perde dinheiro mas não a vida, não importa se o shopping explode ou não.
Bem, se não sabemos qual a probabilidade de haver a explosão, o princípio da precaução diz que devemos fechar o shopping. Isso porque as leis detestam os extremos e servem justamente para levarmos a uma situação em que os riscos e perdas são minimizadas.
Pense no que é uma sentença de prisão: seu objetivo não é só punir e dar um exemplo ao outros potenciais criminosos, mas também minimizar o risco para o resto da sociedade. Quando prendemos alguém (dano menor, privando a pessoa de sua liberdade), essa pessoa não pode cometer um crime enquanto estiver presa (dano maior: matar alguém). Fechar o shopping conseguiria o mesmo objetivo: minimiza os danos possíveis (morte) causando um dano menor (perdas financeiras). É a versão jurídica do ditado ‘de dois males, o menor’.
Mas existem dois outros fatores que devemos levar em conta:
Primeiro, no nosso raciocínio presumimos que as chances de haver ou não uma explosão são idênticas. Mas as chances de haver uma explosão podem ser mínimas. Nesse caso, o risco de manter o shopping aberto passa a ser mais aceitável. Essa é a mesma lógica que possibilita que dirijamos: há a possibilidade de você bater o carro e morrer, mas essa possibilidade é muito menor do que a de você não bater o carro. Logo, deixar as pessoas dirigirem é um risco tolerável (mas, se você bebe, o risco de bater e matar/morrer aumenta, e passa a ser um risco intolerável, por isso proibimos as pessoas de beberem e dirigirem).
O segundo é que também presumimos que não há nada que se possa fazer para minimizar o risco de um acidente. Se houver algo que se possa fazer para minimizar esse risco, caímos na hipótese acima: a possibilidade diminui e o risco se torna mais aceitável.
O trabalho do juiz, portanto, deve levar em conta não só se os dados coletados pela Cetesb estão corretos (a possibilidade de haver uma explosão), mas também se há algo que possa ser feito para minimizar essa possibilidade, e se esse ‘algo’ foi feito. Se depois de respondidas essas perguntas ele ficar convencido de que o risco é ainda alto, ele deve fechar o shopping devido ao princípio da precaução.